Da desapropriação de terras produtivas, a recente decisão do STF

Rodrigo

No início do mês de setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 3.865, proposta pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, entendeu pela improcedência do pleito da instituição, à unanimidade, nos termos do voto do Min. Relator Edson Fachin. Mas, afinal, qual a consequência direta do entendimento para os produtores rurais?

Inicialmente, é importante identificar qual o objeto da demanda proposta em 02/03/2007, sendo a declaração de inconstitucionalidade do Art. 6° e Art. 9°, §1° da Lei 8.629/1993, que regulamenta dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, discordando das expressões “explorada econômica e racionalmente”, “simultaneamente” e “utilização da terra”.

Segundo a CNA, resumidamente, considerando os Arts. 184, 185 e 186 da Constituição Federal, a lei em questão confundia e misturava conceitos de grau de utilização da terra (GUT) e o de eficiência em sua exploração (GEE), determinando sua aplicação simultânea, o que seria contrário ao buscado pelo legislador constituinte, não podendo ser aplicado de forma conjunta com a função social. Ou seja, o imóvel produtivo, ainda que não atendida a função social, não poderia ser alvo de desapropriação.

Ato contínuo, o Relator em suas razões, acompanhadas pelos demais Ministros da Corte Suprema, entendeu que os conceitos trazidos pela Lei 8.629/1993, apenas regulamentam a previsão da Constituição no parágrafo único do Art. 185, definindo tratamentos especiais à propriedade produtiva, não havendo incompatibilidade, ou inconstitucionalidade, em se condicionar de forma cumulativa para o impedimento de desapropriação, que o imóvel rural seja produtivo e que cumpra sua função social. Vejamos o dispositivo constitucional:

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II – a propriedade produtiva.Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.

Em um primeiro momento, é possível chegar à seguinte conclusão: apesar do histórico do STF, que vez ou outra excede suas funções, ao julgar pela constitucionalidade de uma Lei, desprovendo uma ADI, não está legislando, mas, reafirmando a “validade” do que o Poder Legislativo definiu. Ora, quem criou a Lei 8.629/1993 foi o Congresso Nacional, através do Projeto de Lei n° 65, de 1992 (n° 11/91, na Câmara dos Deputados), apresentado em 11/03/1991.

Por outro lado, na doutrina moderna do direito agrário, a chamada função social sempre foi reconhecida como um limitador, relativizando o direito de propriedade, adequando o direito do dono ao interesse coletivo, presente em vários institutos infraconstitucionais inerentes à atividade rural, como o estatuto da terra, mas, principalmente, estampado no início da Constituição Federal, no Art. 5°, XXIII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

Não é novidade que a exploração da atividade rural, com consequente utilização do imóvel rural, deve respeitar regras ambientais, trabalhistas, tributárias, sociais, dentre outras. Então, pasmem, a decisão do STF não foi, nem deveria ser, uma surpresa. Porém, é inegável que o conceito de função social é subjetivo, mas, não caberia à Corte Constitucional defini-la na ocasião. O que chama atenção e dá medo, desta vez, não é a atuação dos Exmos. Ministros, mas, a lacuna da lei e a possibilidade de interpretações que poderão advir. Aqui consta uma ressalva, o entendimento não se aplica às pequenas e médias propriedades rurais e, mesmo em caso de desapropriação deverá existir a compensação e pagamento equivalente pela Administração Pública.

Portanto, na prática, o produtor rural deve ficar atento às obrigações legais de sua propriedade, em especial as ambientais, trabalhistas e tributárias, buscando profissionais de sua confiança e capacitados para orientação das exigências dos órgãos de fiscalização, para não ficarem reféns do Poder Executivo, a exemplo do IBAMA, INCRA etc., também implementando as melhores práticas de produção.

Por outro lado, os órgãos de representação de classe, como sindicatos, associações, confederações e, partidos políticos, devem atuar para alterar a legislação, em especial, a mesma questionada na ADI da CNA, sendo a Lei 8.629/1993, para criar definições e mecanismos mais claros sobre a chamada função social da propriedade, e sobre os casos de desapropriação.

Site desenvolvido por Carlos Dias