A crise no agronegócio é sistêmica. Uma “tempestade perfeita”, fruto de um alinhamento de vários fatores internos e externos, que atinge diretamente quase 29% (vinte e nove por cento) do PIB Nacional – segundo CNA/Cepea, levando o setor rumo a um mar de incertezas e insegurança. Preços de commodities, condições climáticas, guerras no exterior, preço do combustível e frete, falta de crédito nos bancos e nas revendas, alto endividamento e taxas de juros altíssimas transbordam com aumento cada vez maior de recuperações judiciais que batem às portas do Poder Judiciário.
No meio de tudo isso fica o produtor rural, cercado de incertezas e promessas, diante da grande difusão de informações nos meios digitais, principalmente no Instagram. Será que a recuperação judicial é realmente a resposta para tudo?
Como todo remédio, a diferença entre a cura e o envenenamento é a dose. A chamada “RJ” é um importante instrumento, mas tem sido utilizada de forma genérica, para não falar irresponsável, sofrendo, ainda, com uma modificação prejudicial pela Lei 14.112/2020 quando o assunto é crédito rural, limitando as possibilidades e retirando a eficácia perante os instrumentos ou travas majoritariamente impostas pelas instituições bancárias, como a alienação fiduciária e a CPR – Cédula de Produto Rural
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Portanto, inicialmente deve-se compreender que a RJ é um instituto preventivo, que deve ser utilizado ANTES da situação crítica enfrentada, ou seja, enquanto ainda há capacidade de soerguimento. Enquanto a atividade ainda é viável e possui todas, ou quase todas, as condições para a continuidade.
Também devem ser verificados os créditos, analisando se realmente são submetidos ao instituto da RJ, a exemplo dos excluídos como atos cooperativos, com garantia de alienação fiduciária, CPR; parcelas de fazendas ou outros imóveis comprados recentemente etc.
A pluralidade de credores da mesma forma é relevante. Na RJ temos quatro classes: trabalhista, com garantia real, quirografária (aquela que não se enquadra em nenhuma outra) e onde o credor é ME ou EPP. A maioria da resistência fica na classe dois, credores com garantias reais, onde os bancos geralmente já possuíam hipoteca garantindo estas dívidas. Ou seja, é preciso ter variedade de classes e possibilidade de votos para aprovar um plano de recuperação judicial. Caso não ocorra a aprovação, pode haver a convolação em falência.
Recentemente o Governo Federal, reconhecendo tardiamente a crise no agronegócio, principalmente considerando os desastres naturais no RS, publicou a medida provisória n° 1.316 de 16 de setembro de 2025, regulamentada pela Resolução CMN n° 5.247/2025, abrindo um crédito extraordinário, com a liberação de R$ 12 bilhões para o financiamento destinado à liquidação ou à amortização de dívidas de produtores rurais prejudicados por eventos climáticos adversos.
Quem pode aderir são os produtores rurais e cooperativas afetados por eventos climáticos, desde que o empreendimento esteja em municípios com emergência/calamidade em ao menos 2 anos (2020–2024), haja duas perdas ≥20% em duas das três principais culturas (PAM/IBGE) e o beneficiário comprove perdas ≥30% em duas ou mais safras (2020/21–2024/25) e dificuldade de caixa. A linha cobre dívidas de custeio/investimento e CPRs emitidas até 30/06/2024 que estavam adimplentes nessa data e ficaram inadimplentes até 05/09/2025 ou foram renegociadas com vencimentos entre 05/09/2025 e 31/12/2027.
As faixas de crédito por mutuário são até R$ 250 mil (Pronaf), R$ 1,5 milhão (Pronamp) e R$ 3 milhões (demais); cooperativas até R$ 50 milhões e associações/condomínios até R$ 10 milhões, cumulativos em 2025–2026. Prazos: reembolso em até 9 anos, com até 1 ano de carência. Contratação: até 10/02/2026 (linha com recursos supervisionados, teto global de R$ 12 bi via BNDES e 40% mínimo para Pronaf/Pronamp) e até 15/12/2026 (linha com recursos livres das instituições), assim, a medida se torna muito singela diante do desafio.
Diante de todo este cenário, não resta outra alternativa ao produtor rural senão buscar auxílio de advogados e advogadas especialistas para tomar a decisão mais assertiva, já que a RJ não é um “paracetamol” que poderá ser utilizado em qualquer sintoma.
Negociações extrajudiciais, revisão judicial de contratos, medidas liminares para garantir a manutenção da produção e da permanência do maquinário (e outros equipamentos), aplicação do estatuto da terra em caso de inadimplência em arrendamentos ou parcerias, enfim, várias são as alternativas a serem buscadas, porém, com a certeza de que cada caso deve ser analisado de forma individual, sem “receita pronta” ou caminho fácil, principalmente considerando as condições climáticas desafiadoras deste final de ano de 2025.